(...) Tantas mortes, não existem mais dedos nas mãos e nos pés pra contar os que se foram. Viver agora, tarefa dura. De cada dia arrancar das coisas, com as unhas, uma modesta alegria; em cada noite descobrir um motivo razoável para acordar amanhã. Mas o poço não tem fundo, persiste sempre por trás, as cobras no fundo enleadas na lança. Por favor, não me empurre de volta ao sem volta de mim, há muito tempo estava acostumado a apenas consumir pessoas como se consome cigarros, a gente fuma, esmaga a ponta no cinzeiro, depois vira na privada, puxa a descarga, pronto, acabou. Desculpe, mas foi só mais um engano? E quantos mais ainda restam na palma da minha mão?
Ah, me socorre que hoje não quero fechar a porta com esta fome na boca, beber um copo de leite, molhar plantas, jogar fora jornais, tirar o pó de livros, arrumar discos, olhar paredes, ligar desligar a TV, ouvir Mozart para não gritar e procurar teu cheiro outra vez no mais escondido do meu corpo, acender velas, saliva tua de ontem guardada na minha boca, trocar lençóis, fazer a cama, procurar a mancha de esperma nos lençóis usados, agora está feito e foda-se, nada vale a pena, puxar cobertas, cobrir a cabeça, tudo vale a pena se a alma, você sabe, mas a alma existe mesmo? E quem garante? E quem se importa?"
Caio Fernando Abreu
Um dos meus textos preferidos. Não me canso de ler (:
ResponderExcluirLilian:
ResponderExcluirLindo texto do Caio Fernando. Como ele escrevia com fluidez. Acho que ele deixou um enorme vazio.
Lindo fim de semana. Beijooos.
Meu caio f. abreu.
ResponderExcluirLindo demais. amo amo amo.
Eu garanto que existe alma. eu me importo.
Beijo.
Ah Caio, sempre me deixou sem palavras...
ResponderExcluirEu fico imaginando o que ele teria escrito se ainda fosse vivo.
ResponderExcluirO.o
ResponderExcluirMeu DEUS!Um dos melhores dos melhores que já li na vida!
Renata Cibelle