24 de mar. de 2013

Antes eu queria tanto ser feliz.




Maninha, precisava ser agora?
Elis, quando eu soube, assim de imediato, não acreditei.
Esse vício de eternidade que a gente tem.
E logo você, bicho? Tão agitadinha, tão atrevidinha e cheia de vida.
Fui ao banheiro lavar o rosto, molhar os pulsos e olhar bem a minha cara cansada de 33 anos.
(...)Então, peguei um táxi e vim embora.
Pedi para ele parar antes de casa, comprei duas garrafas de vinho.
Estou no meio da segunda.
Pimentinha, que difícil que tá. Você tem que amar quem você ama agora, JÁ,
você tem que começar a fazer tudo o que você quer porque a bruxa tá do lado esperando.
Elis, eu também vou morrer nem sei quando.
Antes eu queria tanto ser feliz.
Embora nem saiba como é isso. Acendo uma vela branca procê ir embora numa boa.
Abro as janelas e ponho bem alto você cantando ‘Primeiro Jornal’, porque é assim que quero te guardar,
juntando tua voz matinal aos restos dos sons noturnos que ainda boiam na casa.
Não tenho medo da morte. Tenho medo da vida. Baixinha, foi tão de repente..
Maninha, precisava ser agora? Em pleno verão, o sol quase em Aquário.
Sei que teu coração não aguentava mais tanta barra.
Sacanagem... E juro que agora eu ouvi você rindo assim: quá-quá-rá-quá-quá.
Tô sentindo um oco, Hélice. Tão ruim.
O dia não conseguiu chover: eu queria agora chorar todo o choro que o dia não chorou por ti.
Não consigo. Eu tenho a impressão de que poderia reconstituir, dias após dia,
desde uma daquelas manhãs de domingo no Cine Castelo (que coisa mágica, eu tinha 12 anos, você 15),
até estas duas da madrugada de hoje? Consigo não, Che. A gente, que é gaúcho, se entende.
O tempo existe, Pimentinha, e passa, leva no arrastão as coisas e as pessoas que não morrem: ficam encantadas.
Y solo resta el silencio, um ondulado silencio...Nós te amávamos tanto, tanto. Guria. Até.

Caio Fernando Abreu

2 comentários:

  1. Esse texto é apaixonante.

    bonito demais!

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  2. Como sempre, excelente escolha de texto e imagem.
    Adoro seu blog. E não é de hoje.

    Leio Caio e sinto vontade de escrever.

    =)

    Um abraço, Lilian.

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