27 de ago. de 2019

Bando de Cafonas

"A Amazônia em chamas, a censura voltando, a economia estagnada, e a pessoa quer falar de quê? Dos cafonas. Do império da cafonice que nos domina. Não exatamente nas roupas que vestimos ou nas músicas que escutamos — a pessoa quer falar do mau gosto existencial. Do que há de cafona na vulgaridade das palavras, na deselegância pública, na ignorância por opção, na mentira como tática, no atraso das ideias.

O cafona fala alto e se orgulha de ser grosseiro e sem compostura. Acha que pode tudo e esfrega sua tosquice na cara dos outros. Não há ética que caiba a ele. Enganar é ok. Agredir é ok. Gentileza, educação, delicadeza, para um convicto e ruidoso cafona, é tudo coisa de maricas.

O cafona manda cimentar o quintal e ladrilhar o jardim. Quer todo mundo igual, cantando o hino. Gosta de frases de efeito e piadas de bicha. Chuta o cachorro, chicoteia o cavalo e mata passarinho. Despreza a ciência, porque ninguém pode ser mais sabido que ele. É rude na língua e flatulento por todos os seus orifícios. Recorre à religião para ser hipócrita e à brutalidade para ser respeitado.

A cafonice detesta a arte, pois não quer ter que entender nada. Odeia o diferente, pois não tem um pingo de originalidade em suas veias. Segura de si, acha que a psicologia não tem necessidade e que desculpa não se pede. Fala o que pensa, principalmente quando não pensa. Fura filas, canta pneus e passa sermões. A cafonice não tem vergonha na cara.

O cafona quer ser autoridade, para poder dar carteiradas. Quer vencer, para ver o outro perder. Quer ser convidado, para cuspir no prato. Quer bajular o poderoso e debochar do necessitado. Quer andar armado. Quer tirar vantagem em tudo. Unidos, os cafonas fazem passeatas de apoio e protestos a favor. Atacam como hienas e se escondem como ratos.

Existe algo mais brega do que um rico roubando? Algo mais chique do que um pobre honesto? É sobre isso que a pessoa quer falar, apesar de tudo que está acontecendo. Porque só o bom gosto pode salvar este país."

Fernanda Young,

2 de mar. de 2019

quem rouba os meus lápis de cor preferidos sou eu.



❝ Tenho uma amiga que quando percebe que eu estou triste costuma perguntar-me, quem roubou a minha caixa de lápis de cor. Tem vezes que nem pergunta, apenas comenta: “Poxa, dessa vez levaram as cores que mais gostas!” A tristeza afrouxa um pouco, por mais que eu esteja chateada. Primeiro, porque é muito bom a gente se sentir olhado com carinho. Depois, porque essa expressão tem uma inocência capaz de fazer gente grande tocar em coisas sérias sem ficar com medo de queimar a mão. De vez em quando, ao ouvir a pergunta, acontece de uma lágrima ou outra escapulir, afeitos que alguns sentimentos são a Mas, algumas vezes, quando eu choro diante dessa indagação não é pelas cores que não encontro na caixa nem por lembrar de quem supostamente as roubou. Choro por perceber que ainda dou aos outros o poder de roubá-las. Por notar que, no fim das contas, quem rouba os meus lápis de cor preferidos sou eu. ❞


Ana Jácomo

24 de out. de 2017

“Estou procurando, estou procurando. Estou tentando entender. Tentando dar a alguém o que vivi e não sei a quem, mas não quero ficar com o que vivi. Não sei o que fazer do que vivi, tenho medo dessa desorganização profunda. Não confio no que me aconteceu. Aconteceu-me alguma coisa que eu, pelo fato de não a saber como viver, vivi uma outra? A isso quereria chamar desorganização, e teria a segurança de me aventurar, porque saberia depois para onde voltar: para a organização anterior. A isso prefiro chamar desorganização pois não quero me confirmar no que vivi – na confirmação de mim eu perderia o mundo como eu o tinha, e sei que não tenho capacidade para outro.
Clarice Lispector- A paixão segundo GH

17 de mar. de 2015

O mundo os quebra a todos; no entanto, muitos deles tornam-se mais fortes justamente no ponto onde foram quebrados. Mas, aos que não se deixam quebrar, o mundo os mata. Mata os muito bons, os muito meigos, os muito bravos - indiferentemente.
Ernest Hemingway

7 de mar. de 2015



Ninguém deve nada de si mesmo à alguém. Nem tempo, nem atenção. Estive pensando, as pessoas tem tendencias a se tornarem legítimas sanguessugas, procuram o que é confortável, e vão levar tudo de você. Eles nunca deixam nada além de tempo perdido, e suas dúzias de problemas para trás. Não há conclusão. Estamos presos nesse ninho, é inevitável. Você será usado. Vão parecer bons amigos, com boas falas decoradas. O mundo é um saco de falsidade, e sem que você note, vão espremer sua mente igual uma laranja para beber suas ideias. Uma hora você não terá mais nada que possa saciar essa sede infinita que engole o universo, isso tratá irritação, e mais tarde se transformará em ódio. Você se sentirá feliz por estar longe de todos, um momento só seu. Você não aguentará explicar o que é ser uma casca vazia e cheia de dúvidas. Talvez você se torne mais um dos que usam as pessoas como válvula de escape para preencher a alma que te roubam. Se você resistir à isso, mesmo que te falte algo, você estará sempre um passo a frente. Você se tornará uma pessoa melhor, e terá o prazer de dizer que já não tem tempo pra se tornar o objeto que escuta e carrega. Foda-se todos. Ter problemas não nos dá o direito de entupir os ouvidos alheios de pessoas que mal conhecemos, como se elas estivessem nos fazendo um favor. O melhor favor é deixar as pessoas em paz, e parar de roubar aquilo que não pode devolver.

- Sean Wilhelm

19 de fev. de 2015

é!

A ingratidão, de todos os venenos, é o que mata
 com mais eficiência qualquer semente de amor.
-Tico Santa Cruz

10 de jan. de 2015

Ted Bear

Me chame de Ted Bear – não comporto um “ursinho pimpão”. É isso que tenho sido. Seu velho Ted Bear, para abraçar quando a noite é de tempestade e todo mal ameaça vir. Quando o escuro é demais e o mundo se volta contra você, eu estou lá. Eu sempre estive.
Mas quando a noite é de festa, ou quando o mundo sorri e o sol brilha, não há lugar para mim em você. Daí meu lugar é o armário, fechado, escuro, escondido. Daí eu tenho cheiro de mofo, o pelo embolado e as costuras desfeitas. Daí eu sou infantil. Alguma coisa que ficou do passado e que é guardada para quando for útil de novo. Para quando alguém apagar a luz e a chuva se avolumar no horizonte.
Sim, porque então sou, de novo, seu Ted Bear, fofo e com as velhas frases ensaiadas. Basta apertar-me e eu vou repetir. “Eu te amo!”. “Vou sempre estar com você!”. “Eu te amo!”. “Vou sempre estar com você!”. Isso até que as nuvens partam e as visitas cheguem. Então não sou mais que um incomodo, mais do que um brinquedo quebrado que, de vez em quando, de forma bem inconveniente, diz “eu te amo”, do armário, sem ter sido apertado. Um incômodo.

Vinicius Linné

9 de jan. de 2015

Você só encontra a vida quando faz coisas que te fazem se sentir vivo.



"Você nunca encontrará a vida perfeita porque estará morto quando conseguir".
Escrevi essa frase na parede da minha antiga casa após passar uma noite inteira pensando sobre ela. Isso não é sobre uma morte física, ou sobre um suicídio. Não exatamente. Bom, se eu te perguntar o que te torna especial o que você irá me dizer? Que tem a habilidade de lidar com pessoas? A música? A poesia? Ou falaria coisas sobre você? Coisas do tipo: filme favorito, música predileta, livros, lugares 
 que gostaria de conhecer. Saiba que pra mim isso é tudo uma grande bobagem. Talvez você me diga logo de cara que não se sente especial, e se disser sem hesitar eu vou gostar mais você.
Confronte a realidade e sinta a onda de choque deslizando pela espinha dorsal até diluir um sorriso ingênuo. Você passa metade da vida dizendo sobre as coisas que fará quando se tornar um milionário, e seus olhos brilham. Você passa metade da vida respondendo sobre si mesmo com frases prontas, acreditando ter um potencial inigualável e mal aproveitado, enquanto espera as viagens pelo mundo, construir uma casa de madeira isolada num lugar frio, abrir uma livraria, uma lavanderia, um canil ou uma plantação de maconha, mas o tempo passa, se repete, fica escuro e os créditos finais vão subindo sorrateiramente. Lá se foi a vida cuspindo seus sonhos em um muro de concreto. A escuridão te desespera porque você percebe que nunca teve muito tempo. Você tem o direito de sonhar, claro, mas a ambição te faz enxergar uma vida perfeita no inexistente. Você precisa sonhar pra lutar por algo maior enquanto prossegue na lama. Você se sente feliz, sorri, abraça, vive bons momentos com pessoas boas, e logo nota uma presença sem forma se arrastando sobre você, aquilo que chamamos de vazio.
Você não pode admitir que não se sente especial, você não pode demonstrar fraqueza e dizer que sua presença na terra é quase invisível. Precisamos nos enganar para não chegarmos a conclusão de que somos apenas um pequeno átomo perdido dentro de outro pequeno átomo.
Você não pode lembrar da morte, a contagem regressiva é um grito nos ouvidos, você não deve pensar em quem sentirá sua falta quando for tarde demais, não deve pensar em quem mandará a coroa de flores e quem verterá lágrimas sobre seu corpo frio e inanimado. Você não pode admitir que deu passos largos em direção ao fim de uma noite pra outra. Você não pode pensar como se estivesse caminhando em direção à um abatedouro, mas você pensa, e você realmente está. E quando você pensa demais, resolve caminhar mais devagar, com poucos, e muitas vezes sozinho. Quando você pensa sobre isso, quando você pensa sobre tudo, você está se apoiando em volta de um abismo que tenta te puxar dia após dia. Você se torna resistente, vive com mais atenção.
Se o tempo passa demais, ele pode destruir sua perspectiva. As contas a pagar são o inverso dos casacos de dois mil dólares que estavam nos seus planos mais fúteis. Você lê coisas esperando que o céu se abra e desça um anjo chamado esperança pra te mostrar o caminho que leva ao mundo perfeito, e lá terá pôneis, chocolate e cerveja. Mas eu não vim falar sobre a felicidade.
Você só encontra a vida quando faz coisas que te fazem se sentir vivo.
Não existe nada além do medo, da dor e do fracasso pra te lembrarem que você ainda existe. Você está bem ali. Você é aquele grão de areia tentando ser castelo sem ajuda de ninguém. Você existe pra reparar os próprios erros. Um pequeno átomo explosivo. Os bons momentos são amostras ilusórias que deixam saudades de dias que não irão voltar, uma saudade casual e cortante estampada em fotos e memórias.
Os fracassos são dolorosos, eu sei, mas te fazem aprender. Você precisa da queda e da sensação de estar perdendo o ar enquanto seus órgãos são comprimidos no estômago, você precisa ouvir palavras terríveis pra se sentir nauseado e vomitar em cima do que tanto espera. As pessoas estão cansadas de você, e estão cansadas de si mesmas. Você não sabe por onde eu andei. Seja honesto e aceite essa verdade. Você precisa saborear o próprio sangue que jorra do seu nariz após cada pancada da qual poderia ter esquivado.
Demorei um pouco pra entender a frase do início, mas percebi que a perfeição é uma vida que te permita viver sabendo que cada hematoma é uma nova história.
Sean Wilhelm

8 de jan. de 2015

PÁSSARO COM ASAS DE ÂNCORA



Posso jogar fora nossas fotografias, posso jogar fora poemas, posso jogar fora nossos objetos em comum, posso jogar fora nossos lugares prediletos, posso jogar fora nosso dialeto, posso jogar fora nossos rituais, posso jogar fora, acredite, posso jogar, mas não consigo jogar fora o jeito bonito que lhe amei. Olho para o meu amor por você e não consigo descartar. O meu amor por você era tão bonito.
Eu lhe amei como nunca amei ninguém. Como apagar, como esquecer, como fingir que não faz parte de mim?
Eu lhe amei com toda a minha devoção, antecipava voos para ganhar alguns minutos ao seu lado. Eu lhe amei com todas as surpresas que poderia inventar. Eu modificava minha agenda para lhe oferecer carona. Eu não reclamava de me acordar antes para preparar seu café. Você pedia, eu fazia. Você balbuciava, eu fazia. Você duvidava, eu fazia.
Derramei bilhetes pela casa, derramei gérberas pela casa, derramei roupas pela casa.
Não tive outra prioridade senão sua felicidade, mesmo que isso custasse minha paz.
Briguei demais pela nossa relação. Cada nova separação era uma esperança que voltássemos melhor.
Eu lhe amei com os sentimentos bons e ruins. Eu lhe amei com minha fé. Eu lhe amei com minha dor. Eu lhe amei com os meus traumas. Eu lhe amei com meus dramas. Eu lhe amei com minha amizade. Eu lhe amei com meu ciúme.
Todas as vezes em que me senti injustiçado, lhe ofendi para ver se recebia seu perdão.
Todas as vezes em que acabei a relação, sonhava com seu retorno.
Quis ser indispensável mais do que justo.
Eu pedi desculpa, insisti, enlouqueci. Fui um idiota, um sábio, um obstinado, um ingênuo, um ridículo. Fui até eu mesmo. Fui um pássaro com asas de âncora: rastejava pelo ar.
Só desejava ser seu, só desejava que fosse minha.
Rezava para que a saudade viesse, imponderável, suplicante, definitiva.
Nunca pensei minha vida sem você. Mesmo o meu pior procurava estar casado com você.

Até o último momento, busquei desarmá-la com a emoção. O último gesto redimiria qualquer desavença. O último gesto seria a entrega irrestrita. Um sim sonoro seria suficiente para combater as negativas sussurradas por dentro.
Empenhei tantas metamorfoses que não lembro o que entreguei. Eu me adaptava, voltava atrás, recuava, regredia, fingia segurança, simulava racionalidade, parava de fazer brincadeiras.
Por você, combatia os amigos, o mundo, a família.
Aguentei seus surtos, seus sustos, suas agressões, suas humilhações, seu deboche, suas alternâncias, sua mudança de opinião, aguentei você me deixando plantado no restaurante, nos bares, na rua, aguentei seus gritos, suas unhas, seus dentes.
Não fugi de conversar. Nunca deixei de atender um telefonema, nunca desliguei em sua cara, nunca deixei uma mensagem sem resposta.
Até o último momento, até depois do último momento, demonstrei que amava.
Não disfarcei, não omiti o que sentia. Disse com todas as palavras e todos os silêncios, para não gerar dúvidas.
Você não entendeu que eu lhe amei bonito.
E meu amor bonito não é meu, é seu. Não ficou comigo. O amor não é uma propriedade de quem sente, é uma transferência total para quem é amado. Assim como uma carta é de quem lê, não de quem mandou.
Espero que você não tenha jogado fora.
-Fabrício Carpinejar

2 de jan. de 2015

....

Quando você entrega todo o coração a uma pessoa e ela não aceita,
 não dá para pegar de volta. 
Você o perde para sempre.

-Sylvia Plath